terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Poemas de Cecília Meirelles sobre D.Maria e a sua Tragédia

Romance da Rainha prisioneira

Ai, a filha da Marianinha!
Ai, a neta do Rei D. João!
- suave princesa de mãos postas,
resplandecente de oração…
Que lindas letras desenhava
a sua delicada mão:
grandes verticais majestosas,
curvas de tanta mansidão!
MARIA – nome de esperança,
MARIA – nome de perdão
- a melancólica princesa
livre de toda ostentação,
que há de subir a um trono amargo,
como todos os tronos são!

A que crescera entre as intrigas
de validos, nobres, criados,
a que conversa com os santos,
a que detestara os pecados!


A que soube de tanto sangue,
por engenhos de altos estrados,
quando a nobreza sucumbia,
nos fidalgos esquartejados!
A que vira o pasmo do povo
e a estupefacção dos soldados…

A que, amarrada em seus protestos,
pusera silenciosos brados
em grandes lágrimas abertas
nos olhos, para o deu voltados…

A que um dia fora aclamada,
envolta em vestes lampejantes,
onde o que não fosse ouro e prata
era de flores de brilhantes…
A que de olhos tristes mirara
paisagens, multidões, semblantes,
sentindo a turba alucinada
em vãos transportes delirantes,
sabendo que reis e reinados
são sempre penosos instantes…
A que em missal e crucifixo
a mão pousara, e aos circunstantes
fizera ouvir seu juramento,
sob estandartes palpitantes!

A que mandara abrir masmorras,
a que desprendera correntes,
a que escutara os condenados
e libertara os inocentes;
a que aos sofredores antigos
levara consolos urgentes;
a que salvava os desvalidos,
a que socorria os doentes;
a que dava a comer aos pobres

com suas próprias mãos clementes;
a que chorava pelas culpas
de seus mortos impenitentes,
e suplicava a deus piedade
para seus ilustres parentes!...

A que se preservara isenta
sobre os desencontros humanos:
sem soldados e sem navios,
entre os irados soberanos
de Espanha, de França e Inglaterra
e os rebeldes americanos
- com os olhos além deste mundo,
nessa evasão de meridianos
que não compreendem os ministros
- e muito menos os tiranos –
de quem vê na terra a falência
de todos os mortais enganos…
a que achava, no ódio, o pecado.
A que achava, na guerra, os danos…

A que tentara erguer-se a esferas
de Arte, de Ciência e Pensamento…
A que ao serviço de seu povo
dedicara cada momento…
A que se acreditara livre
de qualquer decreto sangrento…
- quando os horizontes moviam
grandes ondas de roxo vento;
- quando em cada livro se abriam
outras leis e outros ensinamentos;
- quando o tempo da realeza.
em súbito baque violento,
desabava das guilhotinas,
sobre um grosso mar de tormento.
Ei-la, sem pai, marido, filhos,
confessor, - ninguém – acordada
em seu palácio, à densa noite
erguendo voz desesperada,
perguntando pelos seus mortos,
pela sua ardente morada…
Ei-la a vestir o inferno vivo,
a família toda abrasada,
e os Demónios com rubros garfos,
esperando a sua chegada.
E seu corpo já transparente,
e já dentro dele mais nada.
E os corcéis da Morte e da Guerra
a escumarem na sua escada.

Ei-la, a estender pelas paredes
sua desvairada figura…
A que, embora piedosa e meiga,
pelo poder da desventura,
degredava e matava – longe –
com sua clara assinatura…
Ei-la aos gritos, à sombra verde
dos jardins de aquosa frescura.
Clamam por ela inconfidentes
que a funda masmorra tortura.
E ela clama aos ares esparsos…
E a liberdade que procura
é por flutuantes horizontes,
no fusco império da loucura.

Ai, a neta de D. João Quinto.
filha de D. José Primeiro,
presa em muros de fúria brava,
mais do que qualquer prisioneiro!
-Terras de Angola e Moçambique,
mais doce é o vosso cativeiro!
- Transparentes, vossas paredes,
prisões do Rio de Janeiro!
Ai, que a filha da Marianinha
jaz em cárcere verdadeiro,
sem grade por onde se aviste
esperança, tempo, luzeiro…
Prisão perpétua, exílio estranho,
sem juiz, sentença ou carcereiro…


Romance das exéquias do príncipe

Já plangem todos os sinos,
pelo Príncipe, que é morto.
Como um filho de Rainha
pode assim morrer tão moço?
Dizem que foi de bexigas;
de veneno – dizem outros –
que lhe deram os ministros
para o não verem no trono.
Triste ano para a esperança,
este ano de 88!

Triste ano por estas Minas,
onde existem vários loucos
que do Príncipe esperavam
governo mais a seu gosto:
mações de França e Inglaterra,
libertinos sem decoro,
homens de ideias modernas,
coronéis vigários doutos,
finos ministros e poetas
por que fazem versos e roubos.



Já plangem todos os sinos!
Já repercutem os morros.
(Deus sabe porque se chora,
por que há vestidos de nojo!
O padre que lê Voltério
é que vem pregar ao povo!
Estas minas enganosas
andam cheias de maus sonhos.
Já ninguém quer ser vassalo.
Todos se sentem seus donos!)
Correm avisos nos ares.
Há mistérios, em cada encontro.
O Visconde, em seu palácio,
a fazer ouvidos moucos.
Quem sabe o que andam planeando,
pelas Minas os Mazombos?
A palavra liberdade
vive na boca de todos:
quem não a proclama aos gritos,
murmura-a em tímido sopro.
Já plangem todos os sinos,
Pelo Príncipe, que é morto.
Ó grande melancolia!
Ó profundíssimo assombro!
- Perdida a oportunidade
para qualquer alvoroço.
Lá se foi quem poderia
governar o tempo novo!
Lá se foi com seus poderes,
para mundo sem retorno.

Ai, terras de Vila Rica,
os tempos andam revoltos!
Neste levante das almas,
trabalham sábios e tolos.
Uns avançam com prudência,
outros partem com denodo.
E alguns, de esguelha, calculam,
com finos olhares torvos:
da sorte dos companheiros
fazem seu negócio e jogo.


Já plangem todos os sinos!
Cobri-vos, montes, de roxo!
Calai, mulheres e crianças,
que o vosso é mal sem socorro!
Exéquias hoje rezadas
serão vossas, dentro em pouco.
Morto o Príncipe, já tudo
é loucura e desacordo…
(Perdeu-se a oportunidade,
Neste ano de 88!).

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